quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

DUAS MÁRTIRES DO SENHOR




Chiara Luce Badano foi beatificada em Roma, dia 25 de setembro de 2010. 
Albertina foi beatificada em Tubarão, Santa Catarina, dia 20 de Outubro de 2007.
Duas meninas de cidades diferentes, países diferentes. Duas cidadãs da mesma cidade de Deus.

Albertina Berkenbrock nasceu na vila de São Luiz, sul do estado de Santa Catarina (Brasil), em 11 de abril de 1919. Foi assassinada no dia 15 de junho de 1931, aos 12 anos.
Chiara Luce nasceu em Sassello, Itália, no dia 29 de outubro de 1971, e faleceu no amanhecer do dia 7 de outubro de 1990, alguns dias antes de completar 19 anos.
Duas jovens que aderiram heroicamente à vontade de Deus, expressão que não significa resignação, mas libertação.

A pessoa de Deus e a vontade de Deus. 
Para entendermos a vontade de Deus precisamos saber como é a pessoa de Deus. Deus é amor. Deus é Trindade. Deus é comunidade de amor. Deus quer que todos sejam um, como pediu Jesus antes de morrer (evangelho de João). Deus é pureza e quer que todos sejam puros de coração. Deus disse que são benditos os que amam a justiça, os puros de coração, os que são perseguidos por causa das boas notícias trazidas pelo nosso Deus, que foi carpinteiro em Nazaré, cidade que era pequenina como a Vila de São Luiz, onde nasceu, viveu e morreu a menina Albertina.

A vontade de Deus é humanamente libertadora. Politicamente libertadora. Deus nos quer vivendo a libertação do amor, da justiça, da pureza, da unidade entre todos os seres humanos, que não exclui a diversidade de culturas, mas as aprecia, como possibilidade, riqueza necessária à bela e santa unidade desejada por Deus.

Chiara Luce e Albertina viveram a justiça, o amor, a pureza, a unidade. Viveram a vontade libertadora de Deus, heroicamente. Santidade não significa separação do mundo, entendido como humanidade. Significa separação dos males do mundo, pelo combate interior, sobretudo, já que os males do mundo existem mais dentro do que fora de nós. Mas não significa separação da humanidade. 

A santidade tem uma função social, além de uma origem social. Nasce na comunidade, pela humanidade, pela unidade da humanidade. Pureza, unidade, santidade, humanidade.

A vontade de Deus é social, pelo social, de origem social. Deus é social, Trindade, sendo pessoal. Trindade, humanidade, comunidade. Encontro do eu quando mergulha no nós. Personalismo comunitário, diriam Mounier e Maritain. Comunidade personalizante.

Chiara Luce conheceu aos 09 anos a espiritualidade comunitária do Movimento dos Focolares. Aos 17 anos, uma dor aguda no ombro esquerdo revelou nos exames e nas operações um tumor maligno nos ossos. Aos poucos, descobriu que viveria apenas mais alguns meses. Permaneceu alguns dias na cidade de Turim, numa casa emprestada por amigos, enquanto fazia seu tratamento no hospital da cidade. Ali, viveu 25 minutos que foram decisivos. Minutos de luta interior. Minutos revolucionários. 

A vontade de Deus exige virilidade, coragem, adesão radical. Ela disse o seu sim, na intimidade mais íntima de sua alma. Quebrou sua alma por dentro, libertando-se como uma linda borboleta sai voando de um casulo. Deus é amor, pureza, justiça, unidade. Trindade, comunidade. O sorriso maduro, realista, profundo, divino de Chiara Luce é revelador de tal sublime realidade, eterna. Realidade maior (cidade de Deus-Trindade) já na realidade menor (cidade dos homens).

As últimas palavras de Chiara Luce: “Mãezinha, seja feliz porque eu o sou. Adeus”. Depois, várias outras palavras, silenciosas, revolucionárias, dirigidas do céu ao coração dos seres humanos, celular da alma, lugar de encontro entre a comunidade perfeita, do céu, e a comunidade em construção, na terra.

Albertina Berkenbrock também amava a vontade de Deus. Amava a liberdade, a pureza. Por amor ao amor, ela não cedeu a uma tentativa de estupro. Foi assassinada por alguém que conhecia, que ela ajudou, cuidando várias vezes dos filhos de seu agressor. Dele não recebeu o reconhecimento merecido, mas o corte na garganta que lhe tirou a vida na cidade terrestre.

Antes de irromper furiosamente sobre a menina, o agressor tentou seduzi-la. Ela disse não. O agressor pensou, então, que ela não resistiria à sua força física. Enganou-se. Albertina resistiu à violência psicológica do seu agressor, demonstrando não se tratar de uma menina ingênua. E resistiu, também, à violência física de um homem de 33 anos: ao redor da cena do crime havia muitas folhas amassadas e galhos quebrados, o que demonstra que ela lutou como pôde. Uma menina de 12 anos que sabia o que queria e o que não queria.

Percebendo que não conseguiria dobrar a vontade decidida de uma menina que agia movida por fortes convicções, o agressor decide eliminá-la. Corta-lhe a garganta, mas ela, nos poucos segundos de vida que ainda lhe restam, continuou lutando, como revelou o sangue espalhado ao redor da cena do crime*.

Já sem forças, ao cair encontra energias para cruzar suas jovens pernas: vitoriosa demonstração final de resistência à vontade criminosa de seu agressor. Vitoriosa demonstração de amor ao amor.

Mártir da liberdade, Albertina morreu lutando contra um homem que traiu a confiança dela e sua comunidade. Lutou contra o arbítrio. Lutou contra um tirano que tentou subjugá-la, mas não conseguiu dobrar sua vontade de amar o amor.

Albertina e Chiara Luce. Duas meninas fortes, decididas. Adesão viril, corajosa à vontade libertadora de Deus. Escolheram amar o amor, por amor, com amor. Estrelas-meninas da comunidade perfeita da cidade de Deus que brilham como referências gloriosas para nós, na cidade terrestre. Estrelas-meninas. Pureza, unidade com sabor de liberdade.

*CONGREGATIO DE CAUSIS SANCTORUM (P.N. 786). Beatificationis seu Declarationis Martyrii Serva Dei Albertinae Berkenbrock – Laicae (1919-1931). Positio super martyrio. Roma: Tipografia Nova Res s.r.l., 2002, p.31.

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